O caso da morte da adolescente no Hopi Hari me fez refletir
muito – entre outras coisas – sobre a responsabilidade dos gestores nas
empresas. O quanto funcionários, encarregados, supervisores, gerentes,
diretores, CEO, proprietário são responsáveis pelo que acontece na empresa?
Antes de qualquer coisa, sim, os gestores são responsáveis
pelo que acontece na empresa. Em última instância, o CEO ou o proprietário da
empresa é o responsável final. Num país presidencial como o nosso, sim, a
presidente é a responsável final pelas ações econômicas, sociais, bélicas (etc,
etc) do país.
Obviamente, cada ação, problema, evento se encaixam em um
contínuo de gravidade e importância. Dessa forma, quanto maior a gravidade ou
importância do evento, mais alto na hierarquia empresarial chegará a
responsabilização.
Quanto maior o status hierárquico de um profissional numa
empresa ou serviço público, maiores a responsabilidade e a glória. Ônus e bônus
igualmente.
Seguindo esse raciocínio, a má manutenção de um equipamento
que causa defeito na produção de centenas de itens na linha de produção
acarretando certo prejuízo à empresa será debitada da conta do supervisor (ou
outro título) da linha ou do responsável pela planta. Esses funcionários responderão
à diretoria da empresa.
O que a companhia fará, é outra discussão, mas parece-me
claro que a responsabilidade é daquele profissional que gere diretamente a
equipe da linha de produção. A responsabilidade de responder pelo prejuízo não
é do operador – mesmo que ele tenha visto o defeito e não o tenha reportado,
por exemplo.
No caso de sonegação massiva de impostos é também responsabilidade do CEO
ou do dono da empresa. Mesmo que o diretor financeiro ou um gerente financeiro
tenha sido o operador do esquema, o crime é muito sério para esse cara ser
responsabilizado sozinho. O responsável maior pela empresa tem sua parcela
também.
Pois é, arrumaram um jeito de livrar o Sílvio Santos do caso Panamericano.
No caso Hopi Hari, a fato de ter havido uma morte me deixa
claro que as instâncias mais altas da empresa devem ser envolvidas, bem como os
responsáveis diretos pela operação e manutenção do parque, cada um dentro do contínuo
de responsabilidade e graduação hierárquica na empresa.
O operador do brinquedo não tem de responder pela morte da
menina.
O advogado do Parque Hopi Hari, em entrevista no dia 1º de março, disse o seguinte.
Se estes funcionários identificaram que havia um problema na cadeira, que havia uma menina sentada nela, eles deveriam ter impedido de a atração funcionar, eles que identificaram o problema têm todo o poder de fazer isso, inclusive apertando o stop do brinquedo. Cada brinquedo desse, além de seus operadores, eles têm o seu chefe de operação no momento e este chefe de operação que precisa ser ouvido para esclarecer se efetivamente as pessoas falaram o que disseram, esse chefe também tem de ser chamado à sua responsabilidade.
Como é? O chefe de operação do brinquedo tem de ser chamado à responsabilidade e o gerente do parque não? Seus diretores não? Essa forma veemente de
empurrar a culpa para baixo é nojenta. Além do que disse o advogado, a forma
como ele proferiu as palavras, a ênfase e repetição de eles, eles, seu chefe, este chefe, esse chefe é
repugnante.
Entretanto, o exemplo vem dos governantes, dos gestores
maiores do país, que comandam políticas públicas, elaboram ou executam as leis.
Em entrevista coletiva no dia 2 de março, o
Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, deu um péssimo exemplo de como os gestores
(não) assumem responsabilidade por eventos e ações que são, sim, suas
responsabilidades.
Em seu comentário sobre a desocupação de terrenos para asobras para a Copa 2014 e para as Olimpíadas 2016, ele
disse:
Não há nenhum caso em que estas áreas estejam relacionadas com o Governo Federal. Nenhum. São todas áreas da Prefeitura e são todas áreas do Governo do Estado. E a Organização das Nações Unidas deveria também prestar um pouco de atenção a violências, nas quais ela é omissa, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão. Eu não vejo um pronunciamento da ONU sobre isso.
P e l a m o r d e d e u s, Ministro!
O Governo Federal é o responsável direto por trazer a Copa
do Mundo para o País, então, em última análise, esta instância governamental é
sim responsável pela desocupação das áreas. São cidadãos brasileiros mal
tratados e deslocados de suas moradias por causa do evento. Que tratamento o
governo está dando a essas pessoas?
Além disso, se o caso foi parar na ONU ou se esta entidade
resolver meter seu bedelho nesse assunto, que o senhor dialogue, negocie ou dê
um fora neles sem enfiar o Oriente Médio nesse mérito. Por favor, né?
A violação mais escandalosa, agressiva e violenta de
ditaduras no Oriente Médio não torna um ato no Brasil menos violação aos
direitos humanos. Todos devem ser tratados.
O Ministro Aldo Rebelo, além de querer se isentar da
responsabilidade, ainda utiliza uma argumentação fraca e falaciosa.
Que vergonha. Quase vergonha alheia, Ministro.
Discuti o assunto com minha esposa Cândice. Foi interessante
como que em cada situação proposta, nossas opiniões iam e vinham. O assunto não
é fácil. Assumir responsabilidades não é simples.
Em nossa discussão, a Cândice mencionou o filme A Bug’s
Life. A formiga Flik, com sua invenção de coletar grãos, fez com que toda a
oferenda para os gafanhotos fosse perdida. Então, os repressores das formigas
chegaram e Hopper, o comandante dos gafanhostos, dirigiu-se diretamente a responsável pelo formigueiro, a princesa
Atta. Em sua defesa, a princesa disse que uma formiga desastrada havia causado
o desastre. O chefe dos gafanhotos disse que ela tinha de aprender uma lição: ser um líder verdadeiro é assumir as responsabilidades dos liderados (ou algo parecido).
Eu acho que é isso mesmo.
Infelizmente, vêem-se esquivas e transferências de
responsabilidade a torto e a direito.
Outro dia, liguei para a CIELO para resolver uma questão simples:
solicitar bobinas da maquineta de cartão. Vinte dias e quatro ligações depois,
descobri que a primeira atendente não havia feito meu pedido corretamente. Ela
selecionou um produto descontinuado, por isso nada me foi entregue.
No dia que descobri o erro, a atendente falou: “O pedido
estava errado.”
Sintomática a frase.
A culpa é do pedido, não da pessoa que fez o pedido.
Outra coisa interessante na construção é que ela passa a
ideia de que o pedido, como sujeito da frase, cometeu um erro. Algo semelhante
a Lula estava errado quando pensou
que na crise de 2008 apenas uma marolinha nos atingiria ou O chefe da equipe estava errado ao escolher pneus macios.
No trânsito, eu fui fechado e bati o carro. Na rua, alguém
me provocou e eu dei um soco na cara de um sujeito. Na escola, a professora não
explicou direito e minha filha reprovou.
Olha como faz diferença: eu bati o carro depois de ser
fechado (talvez até estivesse desatento, falando ao celular, em alta
velocidade...); eu dei um soco na cada do sujeito porque não consegui me
controlar e cedi às suas provocações; eu falhei ao acompanhar minha filha nos
estudos, eu nunca fui a uma reunião na escola, eu não dei atenção aos boletins
escolares, eu não comuniquei à direção da escola o mau desempenho da minha
filha (ou até mesmo da professora), eu não assisti minha filha em seus estudos,
por isso ela reprovou.
Falar é fácil. Escrever é fácil. O difícil é colocar isso em
prática.
Enfrento isso diariamente em meu quotidiano profissional.
Todas as ações dos profissionais que estão sob minha gestão são
responsabilidade minha, em última instância.
Diante dos clientes, de meus colegas ou de meus superiores, tenho assumido a
responsabilidade pelo que acontece na filial. É difícil, mas tenho resistido à
tentação de jogar a culpa nos outros.
Sucesso a todos.
Marcelo Elias
Parabéns pelo texto Marcelo. O que mais se vê hoje é todo mundo se eximindo de toda e qualquer culpa. O bom profissional e a pessoa honesta e de bem sabe quais são suas responsabilidades (mesmo que indiretas) e as chama para si.
ReplyDeleteValeu, Luiz. É isso aí, até as indiretas. Cheers, mate.
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