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O que fala o corpo?

Sabe quando a gente está no meio de um engarrafamento, primeira, de vez em quando segunda? Daí, a gente começa a criar vínculos com os motoristas ali em volta.

O cara que está apressado, muda de uma faixa para outra o tempo todo.

Ou a moça super bem humorada com o som nas alturas cantando junto com o rádio.

Tem também o lerdo que demora oito horas e meia para se movimentar.

Às vezes rola até uma competiçãozinha. Vamos ver quem chega primeiro, eu ou aquele Ônix preto.

Você passa e dá uma olhadinha para ele que ficou para trás. Daqui a pouco passa ele e te mira pelo canto do olho.

Tenho a sorte de raramente pegar engarrafamento. Casa, trabalho, casa, sempre contra-fluxo.

Mas de vez em quando surge um compromisso no Plano Piloto de manhã e aí não tem como escapar.

Ontem foi um dia desses. Primeira, de vez em quando segunda.

No começo da jornada olho pelo retrovisor e, como numa mini tela de cinema, vejo uma cena que me seguiu o dia todo.

Um casal no carro de trás, homem e mulher de bocas fechadas, mas o corpo gritando.

O homem estava com o braço esquerdo apoiado sobre a janela aberta e a mão direita às onze horas sobre o volante.

Encosto de cabeça à mostra.

A mulher estava com seu ombro direito apoiado na janela fechada. As mãos sobre as pernas.

Encosto de cabeça à mostra.

Ambos com caras de poucos amigos, mas amigos diferentes. Ele com uma cara de tenha dó de mim, eu sei que fiz besteira, mas pára com isso. Ela com uma expressão entre a raiva e a tristeza. Olhar baixo, imóvel.

Primeira, segunda, agora vai. Breca de novo. Retrovisor.

Lá estavam eles. O homem inclinado para a esquerda, louco para abrir a porta e sair correndo. Ela com o corpo inclinado para a direita. Olhar baixo, imóvel.

Anda logo, criatura. Meu companheiro da frente é o lerdo que deixa um espaço de seiscentos e trinta e nove carros entre ele e o que vai à sua frente. Pára tudo de novo.

Copa do Mundo, sempre aparecem aqueles que tentam ganhar uma graninha com os mais variados produtos das seleções. À margem direita da pista, três varais imensos com camisas e bandeiras de diversos times.

Retrovisor. Meu mini cinema.

Nosso bravo e digno de pena camarada tenta quebrar o gelo falando alguma coisa ao mesmo tempo que aponta para a direita. Só o indicador, sem tirar a mão do volante.

Ela levanta os olhos lentamente, a cabeça quase não se mexe, olha para o lado direito e em dois segundos volta para a mesma posição.

Ele apontou para o ponto mais distante de si. Estavam nos pontos mais extremos dentro daquele carro e ele ainda aponta para mais distante ainda, como quem diz olha para lá pelamordedeus e não olha para mim.

Seguuuuuunda, terceeeeeeeeeira, agora vai. Uma brechinha e o meu amigo do carro de trás que estava sendo devidamente (?) punido resolveu reduzir sua tortura. Esticou a marcha, acelerou e se mandou.

Não os vi mais.

Aquela imagem e o movimento de apontar para o outro lado ficou na minha cabeça o dia todo.

Espero que tudo tenha se resolvido e que a volta para casa tenha sido diferente. Ele com a mão direita sobre a perna dela, mão esquerda à uma hora no volante.

Ela com a mão esquerda sobre a perna dele, ombros quase se tocando.

Marcelo Elias

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